Brasil, 2007. De Eduardo Coutinho.
Se você é mulher, tem mais de 18 anos, mora no Rio, e tem histórias pra contar nos procure. Telefones: XXX. Vagas limitadas.
A produção de “Jogo de cena”, documentário de Eduardo Coutinho, colocou um anúncio no jornal, com números de celulares alugados. O diretor ri: “Vagas limitadas! Que maluquice. Também fui burro quando me restringi ao Rio. Por quê?” se perguntava no minúsculo auditório da Casa do Saber, na Lagoa, fumando um cigarro atrás do outro.
As mulheres contam seus dramas, duas delas perderam filhos - não é divertido como “Edifício Master”. Praticamente em off, sentado na cadeira de um teatro, Coutinho perguntas, ouve, interrompe.
(Resumo do site oficial: em junho de 2006, 83 mulheres contaram suas vidas, 23 delas foram selecionadas e depois houve uma nova triagem para o filme. Em setembro do mesmo ano atrizes interpretaram, a seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas).
Uma idéia, interessantíssima, colocar atrizes – as excelentes Marília Pera, Andréa Beltrão e Fernanda Torres – repetindo ou completando a histórias, mas com a orientação de não imitá-las ou julgá-las e sim “colocar-se ao lado delas”. Cada atriz recebeu o material bruto, o semi-editado, e o texto.
Pois bem: uma das mulheres desce correndo a escada de caracol do teatro Glauce Rocha, onde o documentário foi rodado, e exclama “Nossa, quanta gente!” Senta em uma das cadeiras da platéia e conta seu drama. Logo depois, Fernanda Torres (antes de entrar em cena) repete a frase “Nossa, quanta gente”. Rola um estresse. Porque o diretor diz “Não tem não”. E ela fica mal. Porque copiou a outra. Virou uma atriz vulnerável. Foi sincera com o diretor, estava constrangida. Essa parte é verdade, segundo ele. Digo segundo ele porque o filme é um jogo: assim é se lhe parece.
O cineasta também pediu que elas pensassem em uma coisa interessante pra contar. E Fernanda Torres falou sobre sua tia, dona de um terreiro de macumba, que a trancou num quarto com ratos para que depois ela pudesse se libertar. Duvideodó. Contou como sendo real, mas poderia estar interpretando.
Andréa Beltrão, sempre magistral, fala da saudade do perfume de sua babá, e Marília Pera surpreende o diretor ao levar um cristal japonês. “Para o caso de você querer lágrimas abundantes” E explica como funciona. Durante o depoimento de uma “design de sobrancelhas”, ele interrompe: “O que é henna?”. Na Casa do Saber pronunciou “ena”. “Imagina você que eu não sabia o que é ena”. Todo mundo riu.
Em "Edifício Master" existe uma turma original. Uma fauna, pode-se dizer tranqüilamente. “Jogo de Cena” - composto só de mulheres – é mais tenso e a maior parte das histórias são desinteressantes.
Uma das sacadas fabulosas: a senhora conta de como foi quando o filho morreu, de maneira triste e às vezes poética (“uma floresta brotou na geladeira da cozinha”). Muito bem. Passa um tempo e outra mulher fala o mesmo texto. Susto na platéia: alguns depoimentos são falsos. Verdades e mentiras, ou talvez mentiras e quase verdades, já que “se floreia na hora de contar”, lembra o diretor. “Qual das duas é a atriz?” – todos muitíssimos curiosos. “Vou deixar que a imprensa responda” - disse com ponta de ironia.
A primeira mulher que aparece no documentário é atriz, tenho certeza, porque quando começou a falar eu estranhei. “Engraçado, parece decorado”, comentei. O cenário é um teatro, o que explica a idéia. E tem o lance do cristal japonês, choro de mentirinha. Não importa é se são coisas reais ou não.
É a sofisticação que faz de "Jogo de Cena" uma jóia. Pensei em escrever que "Edifício Master" é melhor, mas não sei. São filmes muito diferentes.
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3 comentários:
São diferentes, sim, e por isso difíceis de se comparar, mas Jogo de Cena é mais sofisticado e mais original, por isso acho que é superior.
Beijos
Parece difícil de assistir.
Vou atrás...
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